Crise do
petróleo agravou situação do Rio; governo busca receitas extras
- 02/07/2016 08h27
- Rio de Janeiro
Cristina
Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil
A queda do preço do petróleo, e
consequentemente a redução dos royalties, agravaram a crise do Rio de
Janeiro. Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, o estado criou
uma dependência do dinheiro dos royalties, deixando de investir em
outros setores da economia, e utilizou mal os recursos que abasteceram por anos
os cofres estaduais. E agora, sem dinheiro para arcar com compromissos, o
governo do Estado busca novas fontes de receita e conta com o socorro da União.
Para o professor de Planejamento
Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Alexandre
Szklo, o Rio de Janeiro já passava por uma crise financeira, que foi aliviada
com o boom da produção e exploração de petróleo no estado, incentivada com a
descoberta do pré-sal em 2007. No entanto, com a baixa do preço do barril, os
problemas voltaram e com força maior.
“O Rio de Janeiro passava por uma
crise, teve uma ressurgência econômica atrelada ao petróleo. Agora, revive a crise
e com uma característica de maior complexidade, porque a população do Rio de
Janeiro cresceu, a economia cresceu. A complexidade dos serviços demandados
pela população e requeridos pelo estado do Rio de Janeiro são muito maiores
hoje do que anteriormente ao boom da indústria do petróleo fluminense”, disse
Szklo, em entrevista à Agência Brasil.
Plataforma de petróleo Divulgação/Petrobras
Em 2016, o estado do Rio de
Janeiro prevê arrecadar R$ 58,8 bilhões e as despesas devem ficar em R$ 78,8
bilhões, o que significa um déficit perto de R$ 20 bilhões. A queda de
arrecadação e os reflexos da crise econômica do Brasil são apontados pelo
governo estadual como alguns dos fatores que levaram à difícil situação
financeira.
No caso do petróleo, a queda nos
preços do produto e a redução de projetos da Petrobras afetaram a cadeia de
fornecedores e, com isso, a arrecadação com ICMS caiu. Nos primeiros quatro
meses de 2016, a receita com o tributo atingiu R$ 10,7 bilhões. Já com os
royalties, a queda na arrecadação ficou em 38% de 2014 a 2015, e para 2016 a
previsão de recuo é de 60%, se comparado com o recolhimento há dois anos.
O professor Alexandre Szklo
afirma que o estado ficou extremamente dependente da indústria de petróleo e
não se preparou para as baixas desse mercado. “O que se fala na engenharia do
petróleo é que essa indústria é como se fosse um elefante. Como os
investimentos são extremamente de capital intensivo e de elevado risco, e é uma
indústria global, demora muito para começar a correr e depois para parar, por
isso é como se fosse um elefante. Na verdade, se vive o ciclo de euforia e
depois o ciclo de tragédia”.
O professor reconhece que é quase
incontrolável saber como o preço do petróleo irá se comportar, dentro de um
mercado extremamente volátil, mas que países como o Canadá, os Estados Unidos,
a Noruega e o Reino Unido, com economias atreladas ao petróleo, souberam como
agir diante das oscilações. “O estado do Rio de Janeiro
deveria ter se preparado para isso”.
Norte fluminense
Uma das regiões mais dependentes
do petróleo é o nortefluminense do estado. Para o professor Alexandre Szklo, a
região vive agora a chamada “doença holandesa”, quando países e cidades
concentram a economia em apenas uma atividade. O termo surgiu quando, nos anos
60, Países Baixos tiveram receitas com exportação elevadas, com os preços do
gás, e depois sofreram com a consequente valorização cambial, que resultou na
queda das exportações de outros produtos.
Cidades, como Macaé e Campos,
segundo o professor, conseguiram rendas “extraordinárias” com o petróleo, porém
os custos de produção na cidade subiram por causa dessa indústria, inibindo o
desenvolvimento de outras atividades econômicas. “Um exemplo emblemático disso
foram os valores dos alugueis em Macaé, que era o maior percentual de valor de
aluguel sobre o preço do imóvel”, destacou.
Itaboraí vive a mesma situação.
Vislumbrando os lucros que poderiam vir do Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (Comperj), da Petrobras, a cidade apostou na construção de pousadas,
shoppings e serviços a serem ofertados para os funcionários do complexo.
Abalada pelas denúncias de corrupção, a Petrobras acabou parando o projeto, que
prevê a construção de duas refinarias. Com isso, Itaboraí passou a lidar com
pousadas, hotéis e imóveis fechados e ociosos.
“O município não sabe mais qual é
a vocação dele quando se depara, com o empreendimento que seria âncora do
município. Ele destrói as vocações anteriores e não reconstrói outras
vocações”, completou.
Saiba Mais
“O que a gente olha no norte
fluminense é uma crônica da morte anunciada presente sempre no mundo
extrativista do petróleo. Ali, vai caber de fato, de alguma forma uma visão de
longo prazo de planejamento tentando criar incentivos e não subsídios, para
desenvolvimento de atividades econômicas de ponta em regiões onde hoje estão
muito baseadas em petróleo”, acrescentou.
Itaboraí (RJ) - Prédio de empreendimento hoteleiro
que está com suas obras interrompidas. O desemprego aumentou após a redução das
obras do Comperj (Tânia Rêgo/Agência Brasil)Tânia Rêgo/Agência Brasil
O ex-diretor da Agência Nacional
do Petróleo (ANP), John Forman, contesta o argumento de que a queda de receita
advinda dos royalties tenha provocado o maior impacto negativo nos
cofres do governo. Para ele, mesmo que o preço do barril tenha reduzido no mercado
internacional, a alta do dólar no Brasil, que chegou a ser cotado a R$ 4,
possibilita uma compensação. “Houve um aumento considerável no valor do dólar,
que em parte compensou a diminuição do volume advindo do preço”, disse à Agência
Brasil.
Para John Formam, o dinheiro dos
royalties foi mal aplicado. “Os royalties vêm sendo usados desde lá de
trás para despesas correntes. Quando se bota em uma fonte, que não é
permanente, nas despesas correntes, se esta fonte falha, fica com um problema
grande. Se tivesse usado este dinheiro para melhorar a saúde, para hospitais,
para a segurança, isto estaria aí, mas se usa para pagar folha de pagamento,
que por si só não gera nada”, disse.
Medidas extraordinárias
“A saída para o déficit é o
aumento de receita, mas isso é muito difícil na atual depressão da economia
brasileira. Por isso, a ajuda federal será central para que o Estado do Rio
consiga sair dessa crise”, afirmou o secretário de Fazenda do Rio de
Janeiro, Júlio Bueno, à Agência Brasil.
Para socorrer o estado, o governo
federal liberou R$ 2,9 bilhões.
Na busca para equilibrar
arrecadação e gastos, um dos caminhos tem sido identificar receitas
extraordinárias, como a securitização da dívida ativa do Estado, que significa
a venda de papeis da dívida, estimada em R$ 66 bilhões, e com isso agilizar a
entrada de dinheiro no caixa.
Outras medidas são venda de
imóveis e a licitação da folha de pagamento, que hoje é feita pelo Bradesco,
além da renegociação da dívida com a União. Outro reforço esperado é o aumento
da arrecadação com impostos, que tiveram as alíquotas reajustadas no final de
2015 e que passaram a vigorar a partir do final de março de 2016.
O governo estadual também está de
olho na Previdência. Com déficit de R$ 8 bilhões em 2015, a Fazenda afirma que
o cenário foi agravado com a redução dos royalties, usados para cobrir a maior
parte dos gastos com o Rioprevidência- Fundo Único de Previdência do Estado do
Rio.
“É importante observar que o
déficit do estado é fundamentalmente causado pelo Rioprevidência. Precisamos
gastar R$ 18 bilhões na Previdência este ano e a receita é de R$ 5 bilhões. A
Previdência responde por mais de 70% do déficit do Estado”, disse o secretário
Júlio Bueno.
Uma das principais consequências
da crise tem sido o atraso no pagamento dos salários, aposentadorias e pensões.
O governo acabou por parcelar o pagamento dos salários, inclusive do 13º
salário, motivando protestos de servidores e aposentados. Com os atrasos, a
Justiça determinou o arresto de dinheiro dos cofres estaduais para garantir a
liberação dos vencimentos e das aposentadorias e o calendário de pagamentos
teve de ser alterado duas vezes. Conforme a secretaria, a folha de
pagamento mensal consome R$ 2,7 bilhões.
O pesquisador do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), José Roberto
Afonso, compara o cenário do Rio a uma pessoa que precisa de um atendimento
de emergência. No caso do cidadão, ele deve buscar um hospital, no caso do Rio
de Janeiro, não há outra alternativa a não ser o Tesouro Nacional.
“Mesmo com o gasto público no Rio
crescendo menos que o federal, foi tão forte a queda da receita, puxada pelos
royalties, que o estado está em situação pré-falimentar. Não resta outra
alternativa, salvo a ajuda federal”, disse.
Para médio e longo prazos, o
economista aponta que será preciso adotar medidas duras, como revisão de
incentivos e dos benefícios da previdência. “A Constituição prevê que só se
deveria reajustar benefício previdenciário se houvesse fonte de recurso, mas
isso nunca foi observado. A mesma Constituição prevê que, quando um governo
estoura o limite de gasto com pessoal, tem que extinguir cargos e até demitir
servidores concursados”.
Edição: Carolina
Pimentel