Nos EUA, estudantes podem
transformar sua pesquisa em negócios
O brasileiro André Mendes conta
como alia pesquisa e empreendedorismo no seu PhD em Nova York - seu
projeto/produto já está no mercado!
Por André
Mendes, estudante de PhD nos Estados Unidos
Quando eu digo para as pessoas no
Brasil que faço doutorado, o pensamento delas é de que estou me preparando para
ser professor. No entanto, é engraçado ver a reação de espanto quando eu digo
que dar aulas em uma universidade não está nos meus planos agora. Apesar de eu
entender o motivo das pessoas associarem o doutorado com a profissão de
professor, na minha concepção há muitas outras possibilidades para quem esta
nesse tipo de pós-graduação.
A pergunta que vem a seguir
é: por que então fazer doutorado? E por que fazer nos EUA? Durante a minha
graduação em Engenharia Mecatrônica pela PUC-PR, eu me envolvi com iniciação
cientifica desde o primeiro ano e foi dessa experiencia que surgiu o meu
interesse por pesquisa. A independência e a possibilidade de criar e aplicar
novos métodos em diferentes problemas foi o que sempre me motivou no meio
acadêmico.
Contudo, fazer doutorado não
estava nos meus planos porque eu achava que eu precisava de algo mais pratico,
e eu não conhecia muitas pesquisas aplicadas na minha área e no Brasil. Em
2013, fiz um intercambio para University of Califórnia Davis, nos EUA, e entre
muitas reflexões, vi que o que gostava era inteligência artificial. Ao voltar
para o Brasil, comecei a pesquisar nessa área e em 2014 fiz um estagio de verão
na University of Victoria, no Canadá, onde criei um sistema que usa aprendizado
de máquinas para analisar imagens subaquáticas, ajudando os biólogos da região
de Vancouver. Essas duas experiencias me mostraram que é possível publicar
artigos científicos com pesquisas aplicadas que geram solução para problemas
reais.
Foi então que decidi aplicar para
o PhD em ciências da computação na New York University. Minhas principais
razões para escolher os Estados Unidos foram a integração entre universidade e
indústria e o incentivo ao empreendedorismo. Durante as minhas experiências
internacionais, eu via que vários projetos das universidades eram em parceria
com empresas como Google, Yelp, Twitter, Amazon e outras. Para mim, sempre fez
muito sentido a indústria ir buscar na academia o conhecimento e a tecnologia
necessária para melhorar seus métodos e produtos e eu não via isso acontecendo
no Brasil – não tanto quanto aqui pelo menos.
Em relação ao empreendedorismo,
há vários cases de sucesso de estudantes de PhD que transformaram a sua
tese em um produto e fizeram disso uma empresa. Apesar de ser possível fazer
isso em qualquer lugar, eu sinto que aqui nos EUA isso é mais comum e as
universidades oferecem vários recursos como aceleradoras, prêmios e programas
de mentoria para os alunos que, assim como eu, desejam seguir esse
caminho.
Contudo, mesmo com todos os
recursos, criar um produto e fazer um doutorado não é fácil. Um dos principais
desafios é transformar a sua pesquisa em um produto (ou no meu caso,
transformar o seu produto em uma pesquisa) para que você não fique dividido em
dois projetos grandes e acabe não fazendo nenhum deles. Eu esse é o meu desafio
hoje com o DeepChoice,
um sistema que aplica inteligência artificial em processos seletivos.
Esse projeto é baseado em métodos
de aprendizado de máquinas publicados em vários artigos acadêmicos e sua
criação depende de duas etapas complementares: engenharia e pesquisa.
Engenharia envolve encontrar os melhores métodos já validados e integrá-los ao
sistema; a pesquisa envolve melhorar esses métodos e criar novos quando não há
algo pronto para o que eu preciso. Dessa pesquisa é que sai o diferencial e a
inovação do meu produto, além das publicações que eu preciso para me formar.
Alem disso, para aproveitar ainda mais o meu tempo, eu faço aulas que são
baseadas em projetos e desenvolvo módulos do DeepChoice nesses projetos. Assim,
melhoro o sistema e ainda tiro notas boas.
De forma geral, o DeepChoice é um
sistema com inteligência artificial que utiliza dados para aprender as
principais características dos melhores candidatos em um processo seletivo e
ser capaz de avaliar novos candidatos. Isso é importante para empresas que
possuem milhares de pessoas em seus processos seletivos e não tem recursos
humanos suficientes para avaliar todos eles. O objetivo não é substituir as
pessoas, mas sim fornecer uma ferramenta que ajuda a escalar e melhorar o
processo através da analise de dados. O DeepChoice está sendo testado no processo
seletivo de bolsas da Fundação Estudar e os resultados iniciais
foram apresentados na primeira Brazilian Conference, Brascon em Harvard.
Por fim, o DeepChoice está no
começo, mas eu acredito que pode ser muito promissor, tanto como um produto
quanto como a minha tese de doutorado. Sobre o doutorado em geral, eu acredito
que essa é uma ótima maneira de se especializar e desenvolver uma área e ao
mesmo tempo usar o conhecimento adquirido para resolver um problema real. Ser
professor pode ser uma ótima alternativa, mas com certeza não precisa ser a única
e o Brasil pode se beneficiar muito com mais doutores na indústria e criando
empresas.
*Foto:
Pesquisa e programação na Arduino Academy / Crédito: Kristina
D.C. Hoeppner CC BY-SA 2.0
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